domingo, 16 de outubro de 2016

TERESA DE BENGUELA

Anais de Vila Bela 1731-1789 /Janaína Amado, Leny Caseli Anzai,organizadoras; revisão e notas Luiz Carlos Figueiredo; prefácio Paulo Pitaluga Costa e Silva. – Cuiabá, MT: Carlini &Caniato: EdUFMT, 2006. –Coleção documentos preciosos PG 138 A 141
O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General, sendo informado das muitas e continuadas fugas que atualmente faziam os escravos dos moradores desta terra, para os matos, muito principalmente para o quilombo chamado Grande, e desejoso de evitar tão grande dano, o melhor e mais acertado meio que pode descobrir foi o criar de novo uma companhia de soldados ligeiros para o sertão e mato, com oficiais competentes, sendo o sargento-mor dela Inácio Leme da Silva, a quem deu jurisdição ampla para o castigo dos soldados respectivos à mesma companhia. Criada assim essa companhia, deu o dito senhor as instruções necessárias ao dito sargento-mor para se saber haver [o quilombo]. Ordenou-lhe que, mais breve que pudesse, se aprontasse para sair com a sua companhia atacar e devorar o quilombo Grande, que havia noticia certa de estar estabelecido nas campanhas do Galera, para o que lhe mandou aprontar pólvora e bala, retirada do armazém real, por não haver em outra parte. Como também, para maior respeito e maior corpo de gente, mandou que essa companhia fosse auxiliada por gente militar, que iria ao [ilegível] ... do dito sargento-mor, para aqui logo se pôr pronto o cabo-de-esquadra João de Almeida, com seis pedestres escolhidos, recomendando, mais que tudo, o dito senhor ao sargento-mor o inviolável segredo que devia haver na saída para o tal quilombo, a fim de que os negros não tivessem noticia dessa nunca pensada determinação. Dispostas as coisas pelo modo que está dito, no dia 27 de junho desse ano se pôs em marcha o dito sargento-mor e a sua companhia, auxiliada com o dito cabo e pedestres que lhe foram dados, fazendo a sua derrota o arraial de São Vicente Ferrer, pela parte inferior que medeia entre a serra dos Campos dos Paraju e margens do rio Guaporé. Rompendo os sertões e veredas mais agrestes, animosamente chegaram ao afamado quilombo Grande. E o abalroaram (atacaram) na noite de 22 de julho. Por estarem as casas do quilombo divididas e dispersas uma das outras, em diferentes partes, abalroaram a primeira que toparam, onde surpreenderam muito pouca gente. E as mais, ouvindo alguns tiros e gritaria, se pôs em fuga, de forma que se viu precisado o sargento-mor a se aquartelar naquele sítio por largo tempo. Depois de aquartelado, foi expandindo escoltas para várias partes daquele sertão e esconderijos. Seguindo os soldados as trilhas, foram abalroando em várias malocas daqueles inimigos, dos quais alguns se punham em resistência, de forma que os soldados, em sua necessária defesa, se viram obrigados a fazerem-lhe tiro para salvarem as suas vidas. Sendo os encontros muitos, e muitas as resistências, não houve da nossa parte perigo algum de vida. Da parte daqueles infiéis morreram a tiro nove, dos quais foram apresentados ao Senado 18 orelhas. Compunha-se esse quilombo de 69 pessoas do gentio de Guiné, entre machos e fêmeas, dos quais viera m acorrentados e presos 41, e nove mortos; perfazem cinquenta; e os 37 que faltam, para o total dos escravos, ficaram desarvorados pelos matos. Achavam-se no mesmo quilombo trinta e tantas índias, que os tais negros tinham apanhado no sertão, onde matavam os machos e traziam as fêmeas para delas usar como de mulheres próprias. Era esse o quilombo muito antigo. Segundo as notícias que dão os negros, foi fabricado (construído,estabelecido) pouco depois do descobrimento destas minas. Teve rei e rainha. O rei era falecido há anos. Por seu falecimento, ficou a rainha governando, com poder tão absoluto que, não só chegou a mandar enforcar, mas também quebrar pernas e braços e enterrar vivos aqueles que, arrependidos da fuga, queriam tornar para a casa de seus senhores, sem que para semelhantes e outros castigos fosse preciso (no original precisa) legal prova. Bastavam leves indícios para serem punidos quaisquer réus de semelhantes delitos. Isso, além de outro, que mandava fazer muito ao seu paladar. Chamavam esta intitulada rainha de Teresa. Era de nação Benguela, escrava do capitão Timóteo Pereira Gomes. Era assistida e servida de todas as mais negras e índias, ainda melhor de que se fossem suas cativas, a quem diariamente castigava, rigorosamente, por qualquer coisa. Tanto era temida que nem machos, nem fêmeas eram ousadas a levantar os olhos diante dela. Governava-se esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entravam os deputados, sendo o de maior autoridade, tido por conselheiro José Piolho, escravo da herança do defunto Antônio Pacheco de Morais. Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquela negral(de cor negra. No original:negril.) Senado se assentava, e se executavam à risca, sem apelação nem agravo. Tinham por maior oráculo o tal Piolho, por ter sido, em outro tempo, rei em um quilombo que se devolveu nos matos da cidade do Rio de Janeiro. Este,fiado nas mandingas com quem o diabo o trouxe sempre enganado, foi um dos que resistiu, isso depois de algumas ciladas que fez aos soldados. Por isso, acabou a vida diabolicamente: violência de um tiro que lhe empregaram no corpo. A maldita rainha de quem temos tratado, na ocasião em que se abalroou o quilombo, mandou os seus que pegassem em armas e tudo matassem. Alguns de seus súditos assim o fizeram, acudindo à voz e pegando em armas; mas não puderam usar delas pela força que viram contra si. Tomaram por melhor acordo, retirarem-se fugitivos ao mato. Nessa retirada, foi também a rainha, conduzida por José Cavalo, escravo do sargento Inácio de Leme. Era esse negro capitão-mor do quilombo e, entre os mais, tido por mais valoroso. Na apressada fuga em que foram, no saltar de um riacho se estrepou aquela desaventurada rainha em um pé, isso a tempo que já os soldados iam sobre ela, por a terem visto. Com facilidade a prenderam e trouxeram ao aquartelamento, onde estava o sargento –mor. Posta ai em prisão, à vista de todos aqueles a quem governou naquele Reino, lhe diziam palavras injuriosas, de forma que, envergonhada, se pôs muda ou, para melhor dizer, amuada. Em poucos dias expirou de pasmo (Esclarece Morais, op cit.:"O estado do que anda como estupefacto, com alguma pancada, com dor, terror, admiração ou grande comoção d'alma" no original: pasma.) Morta ela, se lhe cortou a cabeça e se pôs no meio da praça daquele quilombo, em um alto poste, onde ficou para a memória e exemplo dos que a vissem. Era esse o quilombo o maior que tem havido nestas minas. Os seus habitadores andavam armados, uns com armas de fogo, outros com arco-e-flecha, com roupas de quase palmo e meio de comprido e três dedos de largo, cujas roupas fabricavam no mesmo quilombo, como também o conserto de ferramentas, para o que tinham duas tendas de ferreiro. Estavam esses negros de notavelmente fortes de mantimentos, porque cada um tinha sua roça muito bem fabricada de milho, feijão, carás, batatas, amendoim e muito algodão, que fiavam e teciam para se vestir e cobrir, para o que tinham teares à moda de suas terras. Ficou esse quilombo de todo destruído, porque casa, roças, e mantimentos, tudo ficou reduzido a cinzas. A certeza de todo o deduzido teve este Senado pela conta que pessoalmente lhe deu o sargento-mor, ao outro dia de sua entrada nesta Vila, a qual fez a 26 de outubro, com as presas que foram referidas....

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